Escritores,  Leituras

Ana Luísa Amaral – uma homenagem

Ana Luísa Amaral – pura poesia, para sempre.

Encontro com Ana Luísa Amaral

Ao longo dos anos, tenho tido o privilégio de participar em muitos encontros com escritores, e de os conhecer pessoalmente. Lídia Jorge. Baptista-Bastos. António Rebordão Navarro. Nuno Camarneiro. Valter Hugo Mãe. Maria Alberta Menéres. João Aguiar. Cristina Carvalho. José Luís Peixoto. Fernando Pinto do Amaral. E muitos outros, pois estes são apenas alguns dos nomes que, assim de repente, logo surgem na minha memória. E, claro, Ana Luísa Amaral, com quem estive em julho de 2018, numa sessão organizada pela Rede Scientiae, na Biblioteca da minha escola (Agrupamento de Escolas de Búzio, em Vale de Cambra).

Lembro-me muito bem desta sessão, intitulada “A poesia de viver e o viver com poesia: Ana Luísa Amaral”. Era um sábado à tarde e, embora tivessem sido muitos os convidados, foram poucos (muito poucos) aqueles que aceitaram o convite. Talvez por isso tenha sido um encontro tão extraordinário, tão à flor da pele e da emoção, num ambiente de partilha intimista.

Sobre escrever poesia em tempos de prosa

Lembro-me de, no momento das perguntas e respostas, lhe ter perguntado quais as dificuldades que sentia em escrever poesia em tempos de prosa. Ela ficou bocadinho perplexa com a pergunta e eu expliquei melhor: como é ser poeta numa época que, em mais do que um aspeto, é um tempo de prosas? Um tempo prosaico e cinzento, em que as artes e as letras são desvalorizadas e as questões económicas esmagam as pessoas. Mas também um tempo em que os romancistas são valorizados e aclamados (“Um prosador qualquer desfruta fama honrosa”, já escrevia Cesário Verde), enquanto os poetas são esquecidos, pois a poesia só é procurada e lida por um público muito restrito. Na altura, achei que a resposta foi de uma simplicidade desarmante. E por isso me deixou a refletir. Ana Luísa Amaral explicou que se sentia muito bem como poeta, porque não era pressionada por leitores ou editoras. Vivia ao seu ritmo, escrevia ao seu ritmo. E, de vez em quando, organizava um livro para publicação: espalhava pelo chão os papéis em que os poemas estavam escritos e ia escolhendo e selecionando, até perceber que tinha um livro completo e coerente. Seguiu-se uma reflexão interessante sobre as atitudes fundamentalmente diferentes do ficcionista e do poeta: o primeiro sempre atento ao que o rodeia, a tentar captar motivos e pretextos para as suas histórias; o segundo mais alheado, centrado na sua vida interior.

Os poetas não morrem

Foi uma tarde de alimento para a alma. Via-se que Ana Luísa Amaral respirava poesia, vivia poesia no seu quotidiano. Por isso era uma pessoa com grande sabedoria, e ao mesmo tempo simples e acolhedora na forma como, generosamente, partilhava conhecimentos, vivências e pensamentos.

A morte dos poetas deixa-nos tristes, porque tudo se torna irremediável. Quantas palavras belas e sábias não chegaram a surgir? Porém, quando relemos as que nos deixaram, tão vivas e vibrantes de sentidos, percebemos que por vezes um só verso basta para que o poeta desafie a morte.

Os poetas revivem quando voltamos, uma e outra vez, aos versos que nos deram.

Aqui fica, em jeito de homenagem, a minha gratidão a Ana Luísa Amaral, por ter feito do mundo “um lugar mais ameno / como o mundo poderia realmente ser”:

“É quando a morte se instala / à nossa volta entre os que mais amámos: / os que nos foram vida, os nossos, / os amigos // – e de repente, também os que seguimos / desde jovens e só reconhecemos por jornais, / e tornaram o mundo / um lugar mais ameno / como o mundo poderia realmente ser”. (“Das impossíveis semelhanças”, in WHAT’S IN A NAME, de Ana Luísa Amaral)

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