Leituras,  Mentoria de leitores

Que género de livros gostas de ler?

Aventuras e desventuras de uma professora que tenta (desesperadamente) motivar para a leitura.

Uma espécie de mentoria de leitores

Isto de fazer mentoria de leitores tem muitas exigências! E torna-se tarefa ainda mais difícil quando, como professores, em cada ano letivo tentamos motivar para a leitura várias dezenas de adolescentes e jovens, muitos dos quais têm com os livros uma relação… (Bem… Aqui hesito quanto ao adjetivo a utilizar…) Digamos que é uma relação distante, ou irregular, ou instável, ou precária, ou preconceituosa, ou hostil. Ou tudo isto. Embora, felizmente para todos nós, ainda haja jovens que gostam mesmo de ler!

Tenho consciência de que a expressão “mentoria de leitores” não será sequer a mais adequada, e é claramente exagerada, quando nos referimos a um trabalho que desenvolvemos entre muitos outros, no tempo e espaço sempre atarefados das aulas de Português ou de Literaturas. Mas não encontrei expressão que melhor transmita esta ideia de guiar os mais jovens, inspirá-los para que se percam (e se encontrem) no fabuloso universo dos livros. Motivar para a leitura e formar leitores que sejam cada vez mais autónomos e competentes implica um trabalho apaixonado, delicado, constante e paciente: conhecer os gostos de cada um, sugerir livros adequados, despertar a curiosidade, partilhar leituras, apontar caminhos, lançar novos desafios…

Na biblioteca da escola

Estou a dispersar-me. Não era minha intenção, de forma alguma, desenvolver uma reflexão teórica sobre a motivação para a leitura em contexto de sala de aula. Pretendia, apenas, relatar algumas situações engraçadas, e até mesmo um tanto ridículas. Às vezes, vale-nos o sentido de humor!

Aqui fica o enquadramento das duas histórias que vou contar. Aconteceram em outubro, com turmas do décimo ano – o que corresponde a início de ciclo de ensino, início de ano letivo, início do meu relacionamento com os alunos. Estávamos na biblioteca da escola, numa sessão organizada em colaboração com a professora bibliotecária. Depois de reflexões partilhadas sobre a leitura e a sua importância, os jovens foram convidados a levantarem-se e escolherem os livros que iriam ler e apresentar à turma. Chegáramos à fase mais animada e confusa, em que vinte e tal adolescentes percorrem as estantes da biblioteca, procuram autores e títulos, pegam em livros, voltam a colocá-los no lugar, leem sinopses, pedem opiniões, dão opiniões… e tagarelam, e implicam uns com os outros. Nesta fase, a certa altura achamos que não vamos conseguir dar resposta a tantas solicitações. É então que tudo começa a ficar mais calmo. Os leitores (ou candidatos a leitores) lá se vão decidindo e, ordeiramente (ou nem tanto), preparam-se para requisitar o livro que lhes vai fazer companhia nas próximas semanas. Os mais sossegados sentam-se a ler. Os mais ativos e curiosos vão ver os livros que os outros escolheram – e, claro, aproveitam para usufruir do espaço diferente e da aula diferente.

Junto das estantes restam os indecisos. E a minha atenção volta-se para eles.

Primeira história: uma menina indecisa

– Então, de que tipo de livros gostas? – pergunto.

Do lado da menina, hesitação e silêncio, que eu não soube interpretar. E um olhar perdido lançado em direção às estantes da biblioteca.

– Gostas de histórias de amor? Olha, tens aqui Jane Austen, e também Rosa Lobato de Faria, que é uma autora portuguesa, blá, blá, blá, blá, blá, blá…

Reação? Um trejeito de significado indefinido.

– Preferes histórias de aventuras? “Os três mosqueteiros”, “A flecha negra”… São os chamados “romances de capa e espada”; têm aventura, e também histórias de amor, blá, blá, blá, blá, blá, blá…

Nada.

– Policiais? Agatha Christie está aqui, blá, blá, blá, blá…

Responde-me o silêncio, e um leve encolher de ombros.

– Diários?… Olha aqui o “Diário de Anne Frank”. Também existe em banda desenhada. Blá, blá, blá…

Depois de muitos, muitos esforços, quando eu já estava a desesperar, chegou finalmente, com novo encolher de ombros, uma resposta elucidativa:

– É que eu não gosto de ler.

Segunda história: outra menina indecisa

Desta vez, a indecisão é causada pelo motivo contrário: aqui está uma menina que gosta muito de ler. Depois de ponderarmos, em conjunto, várias opções, sugiro dois livros de géneros muito diferentes: poesia de Ana Luísa Amaral ou “O Meu Pé de Laranja-Lima”, de José Mauro de Vasconcelos. Falo, entusiasmada, de alguns poemas de Ana Luísa Amaral. Explico a base autobiográfica de “O Meu Pé de Laranja-Lima”. E, sobre este último, acrescento:

– É um livro muito, muito bonito, mas também tem partes tristes… Eu chorei quando o li! Gostas de chorar sobre um livro?

Resposta pronta e muito natural:

– Não sei, nunca experimentei…

Só depois me apercebi da bizarria da situação! E recordei um episódio que ocorreu há poucos anos, numa aula de décimo primeiro ano. Já não sei a que propósito, tive uma tirada que me saiu muito espontaneamente. Afirmei: “É muito melhor chorar sobre um livro do que chorar sobre a vida.”

Só me apercebi do que tinha dito quando os jovens reagiram com estranheza.

– O que é que a professora disse?! – perguntaram entre si. – O que disse, professora?

– Disse que é muito melhor chorar sobre um livro do que chorar sobre a vida. Não concordam?

Suponho que terei acrescentado qualquer coisa sobre a função catártica das lágrimas motivadas por um livro triste. Não sei, já não me lembro. Recordo, porém, que os alunos ficaram tão desconcertados que nem reagiram.

Provavelmente, também eles nunca tinham “experimentado” chorar desoladamente sobre as páginas de um livro…

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